vasárnap, október 09, 2005

A Magyar Nyelv

"Disse já que o húngaro, por seu rico registro de vogais – que a caracterizam imediatamente – e da prevalência das claras sobre as surdas, dá-se como uma das línguas mais sonoras, musicais, em seu vozeio. Sonorosa, se bem que de ritmo fundamental muito enérgico, nela as seqüências de inflexões naturalmente modulam e fácil melodiam. De si concretizante, figurativa, imagista, encerra copiosa quantidade de onomatopéias. Sua gramática, parca, põe garra mais curta que a da emoção. Suas palavras nem sempre se fecham na racional fixidez conceitual explícita, na rigidez denotativa, antes guardam sob o significado uma ativa carga potencial, rudimentar, com o que, nos diversos momentos, inteiram-se mais variadamente de sentido, e, segundo as soluções rítmicas, se reembebem de um halo vivaz. Será, se dizer posso, uma língua menos ‘da lei’ que ‘da graça’; uma língua para homens muito objetivos, ou para poetas.

Nem não é tudo. Também, e o quanto ninguém imagina, é uma língua in opere, fabulosamente em movimento, fabril, incoagulável, velozmente evolutiva, toda possibilidades, como se estivesse sempre em estado nascente, apta avante, revoltosa. Sem desfigurar-se, como um prestante e moderno mecanismo, todo tratável, ela aceita quaisquer aperfeiçoamentos estruturais e instrumentais, que, nas exaltadas arremetidas criadoras de uma experimentação contínua, os escritores lhe infligem, segundo as mais sutis ou volumosas intenções. Suas partes obedecem à arte. Deste ponto-de-vista, nenhuma outra haverá tão plástica e colaborante, sem inércia. Por sua própria natureza original, permite todas as caprichosas e ousadas manipulações da gênese inventiva individual. Praticamente ilimitada é a criação de neologismos, o verbum confingere. O intercambiar dos sufixos e das partículas verbais é universal: os radicais aí estão, à espera de um qualquer afixo, como os forames de um painel de mesa-telefônica, para os engates ad libitum. Possível, mesmo, é a engendra de sufixos novos, partindo de terminações singulares ou peregrinas de vocábulos. Vale é o valível. Imissões adúlteras não são ilegítimas. A seiva arcaica se redestila. Absorvem-se os ruralismos. Recapturam-se as esquivas florações da gíria. Entre si, as palavras armam um fecundo comércio.

Molgável, moldável, digerente assim – e não me refiro em espécie só à língua literária – ,ela mesma se ultrapassa; como a arte deve ser, como é o espírito humano: faz e refaz suas formas. Sem cessar, dia a dia, cedendo à constante pressão da vida e da cultura, vai se desenrolando, se destorce, se enforja e forja, maleia-se, faz mó do monótono, vira dinâmica, vira agente, foge à esclerose torpe dos lugares comuns, escapa à viscosidade, à sonolência, à indigência; não se estatela. Seus escritores não deixam.

Os felizes escritores húngaros usam e mais usam da tratabilidade daquele esquematismo opulento, de um aparelho de tanta liberdade. E não o praticam apenas nos casos de necessidade elementar, conforme o ‘Sunt novis rebus nova ponenda nomina’ ciceroniano. Nesse contínuo operatório, querem não menos as operações estéticas fantasistas. O que eles buscam, às inspirações, toda-a-vida, é a máxima expressividade, a mais ponta para penetrar a matéria; o jogo eficaz. São todos individualistas. Desde que o entenda, cada um pode e deseja criar sua ‘língua’ própria, seu vocabulário e sintaxe, seu ser escrito. Mais do que isso: cada escritor húngaro, na prática, quase que não pode deixar de ter essa língua própria, pessoal. O alcance disso é mágico. Com isso, está o espírito geral da gente, que ele invoca. E essa é tendência que não arrefece. Cada jornal, em Budapeste, é escrito em seu dialeto ‘da casa’, às vezes fora da linguagem culta corrente – diz Laczkó Géza; e ajunta: ‘Na vida de sociedade húngara não basta ter-se espírito; mas a forma lingüística do dito espirituoso tem também de ser espirituosa’. Será que – como se fosse ainda o guerreiro em movimento ou solitário pastor, nas estepes antigas do Pamir ou, depois, onde volga o Volga e dona o Don – em o versar de seu idioma o magiar ficou sempre nômade."

Eis o motivo do meu sumico durante essa semana, nas palavras do Guimaraes Rosa em um trecho de seu prefácio para a Antologia do Conto Húngaro, do Paulo Rónai.

2 Comments:

At hétfő, október 31, 2005 3:07:00 du., Anonymous Névtelen said...

Cada dia que passa gosto mais deste texto!

 
At vasárnap, november 20, 2005 9:32:00 du., Blogger Gábor said...

Eu também..! :-)

 

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